sexta-feira, 8 de março de 2013

Sêneca - PRAEMEDITATIO

Ao amanhecer, devemos realizar o que Sêneca denominou de praemeditatio, uma meditação antecipada de todos os sofrimentos da alma e do corpo aos quais a deusa Fortuna pode vir a nos submeter.

UM PRAEMEDITATIO DE SÊNECA

(Os sábios) iniciarão cada dia com o pensamento...
Nenhuma dádiva da Fortuna nos pertence de fato.
Nada, seja público ou privado, é estável; os destinos dos homens, assim como os das cidades, estão sujeitos a um turbilhão.
Qualquer edificação que tenha levado longos anos para ser erguida, à custa de grande sacrifício e graças aos préstimos dos deuses, pode dispensar-se ou desfazer-se em um único dia. Não, aquele que disse “um dia” exagerou, concedendo um prazo longo demais para um revés repentino: uma hora, um átimo, é o bastante para promover a queda de impérios.
Com que freqüência cidades da Ásia, com que freqüência cidades da Acaia foram destruídas por um único tremor de terra?Vivemos em meio as coisas que estão, sem qualquer exceção, destinadas a morrer. Mortal você nasceu; mortais você dá à luz.
                          Não se surpreenda com nada, espere tudo.     

quarta-feira, 6 de março de 2013

A IMPORTÂNCIA DE VIVER - LIN YUTANG

A IMPORTÂNCIA DE VIVER – LIN YUTANG
                                                                                                     
“Há uma atitude científica e outra moral perante o universo. O cientista se interessa por encontrar a composição química do interior e da crosta da terra em que vive, a espessura da atmosfera que a rodeia, a quantidade e natureza dos raios cósmicos que a compõem, a formação das montanhas e rochas e a lei que rege a vida em geral.
A atitude moral, por outro lado, varia muito, sendo ás vezes de harmonia com a natureza, às vezes de conquista e subjugação ou de domínio e utilização.
Quem foi que inventou o mito do “Paraíso Perdido”? Afinal, era tão lindo o jardim do Éden e é tão feio o atual universo?
Na realidade, somos uns ingratos e malcriados filhos de Deus.

Parábola sobre esse filho malcriado.

Era um homem cujo nome não mencionaremos por enquanto.
Foi até Deus e se queixou de que este planeta não era bastante para ele e disse que queria um Céu de Portas de Pérolas. E Deus lhe apontou primeiro a lua no céu e lhe perguntou se não era um bom brinquedo, e ele sacudiu a cabeça. Disse que nem queria olhá-la. Então Deus mostrou as montanhas azuladas, na distância, e lhe perguntou se não tinha formosas linhas, e ele disse que eram vulgares e ordinárias. Depois Deus lhe mostrou as pétalas das orquídeas e das margaridas e lhe pediu que estendesse os dedos e tocasse a veludosa superfície, e lhe perguntou se não eram delicadas as cores, e o homem disse: “Não”. Na sua infinita paciência, levou-o Deus a um aquário e lhe mostrou as magníficas cores e formas dos peixes havaianos, e o homem disse que não lhe interessavam. Deus o levou então para debaixo de uma copada árvore e ordenou que soprasse uma fresca brisa e perguntou se não era deleitoso aquilo, e outra vez respondeu o homem que não lhe causava impressão alguma. Depois Deus o conduziu a um lago na montanha e lhe mostrou a luz na água, o rumor dos ventos nos pinheiros, a serenidade das rochas e os belos reflexos no lago, e o homem disse que ainda não estava satisfeito.
E Deus perguntou-lhe se não fizera o possível para tornar formoso este planeta, para deleitar os olhos, os ouvidos e o estômago, e o homem continuou clamando por um Céu de Portas de Pérolas.
- Este planeta – disse o homem – não é bastante para mim.
- Presunçoso e mal-agradecido! – Retrucou Deus. – Como que este planeta não é o bastante para ti? Vou te mandar para o Inferno, onde não verás a passagem das nuvens, nem as flores das árvores, nem escutará o canto das fontes, e ali viverás até o fim de seus dias!
E Deus o mandou morar em um apartamento da cidade. O homem se chamava Cristiano.


Se há gente que não goza da primavera e do verão na terra, como poderá gozar a primavera e verão no Céu? Quanto a mim prefiro viver neste planeta a viver em qualquer outro. Se não satisfazem a um homem as variações do tempo e as cores do céu, o delicioso sabor das frutas das diferentes estações e as flores que se abrem nos diversos meses, esse homem faria melhor em suicidar-se e não em viver na inutilidade de um Céu impossível, que talvez satisfaça a Deus, mas nunca satisfará a um homem.

Deus pode ter nos convidado pra a festa ou não. A melhor atitude é de participemos da festa. Não tem sentido simplesmente deixar de participar do festim quando a comida parece tão tentadora e temos tanto apetite. O homem sensato deve servir-se da comida antes que esfrie. A fome está sempre acompanhada do bom-senso. Nosso planeta é um plante muito bom. Nele há tal variedade de animais, plantas, frutos, flores e paisagens de tal engenho e formosura que jamais poderíamos imaginar e principalmente criar. O cardápio é praticamente interminável para atender aos gostos individuais e a única coisa sensata a fazer é ir tomar parte no festim, e na se queixar da monotonia da vida.

A Natureza é, por si mesma, e sempre, um sanatório. Mesmo que não pudesse curar outra coisa, pode curar o homem enfermo de megalomania. O homem costuma esquecer quão pequeno é, e, amiúde, quão inútil é. Um homem que vê um edifício de cem andares, sente-se vaidoso, e o melhor modo de curar essa insuportável vaidade é transportar em imaginação esse arranha-céu para uma pequena montanha, e adquirir um conceito mais verídico do que podemos ou não chamar de “enorme”. Os chineses supõem que uma viagem à montanha surta efeito catártico, pois limpa o peito de uma multidão de ambições tolas e desnecessárias preocupações.
Temos também o silêncio das montanhas, e esse silêncio é terapêutico. Toda boa montanha é um sanatório. Sentimo-nos aconchegados como crianças em seu peito. Acredito nas propriedades espirituais, curativas das velhas árvores e dos recessos da montanha, não para salvar uma clavícula fraturada ou uma pele infeccionada, mas para curar as ambições da carne, as enfermidades da alma: cleptomania, megalomania, egocentrismo, halitose espiritual, titulites, bonusites, dirigentites (a preocupação de dirigir aos demais), neuroses de guerra, versofobia, maldade, ódio, exibicionismo social, dureza de coração em geral e todas as formas de enfermidade moral.
O gozo da natureza é uma arte, que depende muito da disposição e da personalidade de cada um e, como sucede com todas as artes, é difícil explicar sua técnica. Tudo deve ser espontâneo e brotar espontaneamente de um temperamento artístico. Quem compreender isso, saberá gozar da natureza sem que ninguém lhe ensine.