quarta-feira, 6 de março de 2013

A IMPORTÂNCIA DE VIVER - LIN YUTANG

A IMPORTÂNCIA DE VIVER – LIN YUTANG
                                                                                                     
“Há uma atitude científica e outra moral perante o universo. O cientista se interessa por encontrar a composição química do interior e da crosta da terra em que vive, a espessura da atmosfera que a rodeia, a quantidade e natureza dos raios cósmicos que a compõem, a formação das montanhas e rochas e a lei que rege a vida em geral.
A atitude moral, por outro lado, varia muito, sendo ás vezes de harmonia com a natureza, às vezes de conquista e subjugação ou de domínio e utilização.
Quem foi que inventou o mito do “Paraíso Perdido”? Afinal, era tão lindo o jardim do Éden e é tão feio o atual universo?
Na realidade, somos uns ingratos e malcriados filhos de Deus.

Parábola sobre esse filho malcriado.

Era um homem cujo nome não mencionaremos por enquanto.
Foi até Deus e se queixou de que este planeta não era bastante para ele e disse que queria um Céu de Portas de Pérolas. E Deus lhe apontou primeiro a lua no céu e lhe perguntou se não era um bom brinquedo, e ele sacudiu a cabeça. Disse que nem queria olhá-la. Então Deus mostrou as montanhas azuladas, na distância, e lhe perguntou se não tinha formosas linhas, e ele disse que eram vulgares e ordinárias. Depois Deus lhe mostrou as pétalas das orquídeas e das margaridas e lhe pediu que estendesse os dedos e tocasse a veludosa superfície, e lhe perguntou se não eram delicadas as cores, e o homem disse: “Não”. Na sua infinita paciência, levou-o Deus a um aquário e lhe mostrou as magníficas cores e formas dos peixes havaianos, e o homem disse que não lhe interessavam. Deus o levou então para debaixo de uma copada árvore e ordenou que soprasse uma fresca brisa e perguntou se não era deleitoso aquilo, e outra vez respondeu o homem que não lhe causava impressão alguma. Depois Deus o conduziu a um lago na montanha e lhe mostrou a luz na água, o rumor dos ventos nos pinheiros, a serenidade das rochas e os belos reflexos no lago, e o homem disse que ainda não estava satisfeito.
E Deus perguntou-lhe se não fizera o possível para tornar formoso este planeta, para deleitar os olhos, os ouvidos e o estômago, e o homem continuou clamando por um Céu de Portas de Pérolas.
- Este planeta – disse o homem – não é bastante para mim.
- Presunçoso e mal-agradecido! – Retrucou Deus. – Como que este planeta não é o bastante para ti? Vou te mandar para o Inferno, onde não verás a passagem das nuvens, nem as flores das árvores, nem escutará o canto das fontes, e ali viverás até o fim de seus dias!
E Deus o mandou morar em um apartamento da cidade. O homem se chamava Cristiano.


Se há gente que não goza da primavera e do verão na terra, como poderá gozar a primavera e verão no Céu? Quanto a mim prefiro viver neste planeta a viver em qualquer outro. Se não satisfazem a um homem as variações do tempo e as cores do céu, o delicioso sabor das frutas das diferentes estações e as flores que se abrem nos diversos meses, esse homem faria melhor em suicidar-se e não em viver na inutilidade de um Céu impossível, que talvez satisfaça a Deus, mas nunca satisfará a um homem.

Deus pode ter nos convidado pra a festa ou não. A melhor atitude é de participemos da festa. Não tem sentido simplesmente deixar de participar do festim quando a comida parece tão tentadora e temos tanto apetite. O homem sensato deve servir-se da comida antes que esfrie. A fome está sempre acompanhada do bom-senso. Nosso planeta é um plante muito bom. Nele há tal variedade de animais, plantas, frutos, flores e paisagens de tal engenho e formosura que jamais poderíamos imaginar e principalmente criar. O cardápio é praticamente interminável para atender aos gostos individuais e a única coisa sensata a fazer é ir tomar parte no festim, e na se queixar da monotonia da vida.

A Natureza é, por si mesma, e sempre, um sanatório. Mesmo que não pudesse curar outra coisa, pode curar o homem enfermo de megalomania. O homem costuma esquecer quão pequeno é, e, amiúde, quão inútil é. Um homem que vê um edifício de cem andares, sente-se vaidoso, e o melhor modo de curar essa insuportável vaidade é transportar em imaginação esse arranha-céu para uma pequena montanha, e adquirir um conceito mais verídico do que podemos ou não chamar de “enorme”. Os chineses supõem que uma viagem à montanha surta efeito catártico, pois limpa o peito de uma multidão de ambições tolas e desnecessárias preocupações.
Temos também o silêncio das montanhas, e esse silêncio é terapêutico. Toda boa montanha é um sanatório. Sentimo-nos aconchegados como crianças em seu peito. Acredito nas propriedades espirituais, curativas das velhas árvores e dos recessos da montanha, não para salvar uma clavícula fraturada ou uma pele infeccionada, mas para curar as ambições da carne, as enfermidades da alma: cleptomania, megalomania, egocentrismo, halitose espiritual, titulites, bonusites, dirigentites (a preocupação de dirigir aos demais), neuroses de guerra, versofobia, maldade, ódio, exibicionismo social, dureza de coração em geral e todas as formas de enfermidade moral.
O gozo da natureza é uma arte, que depende muito da disposição e da personalidade de cada um e, como sucede com todas as artes, é difícil explicar sua técnica. Tudo deve ser espontâneo e brotar espontaneamente de um temperamento artístico. Quem compreender isso, saberá gozar da natureza sem que ninguém lhe ensine.

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