quarta-feira, 14 de novembro de 2012

As consolações da Filosofia - Alain de Botton

Ao amanhecer, devemos realizar o que Sêneca denominou de praemeditatio, uma meditação antecipada de todos os sofrimentos da alma e do corpo aos quais a deusa Fortuna pode vir a nos submeter.

UM PRAEMEDITATIO DE SÊNECA

(Os sábios) iniciarão cada dia com o pensamento...
Nenhuma dádiva da Fortuna nos pertence de fato.
Nada, seja público ou privado, é estável; os destinos dos homens, assim como os das cidades, estão sujeitos a um turbilhão.
Qualquer edificação que tenha levado longos anos para ser erguida, à custa de grande sacrifício e graças aos préstimos dos deuses, pode dispensar-se ou desfazer-se em um único dia. Não, aquele que disse “um dia” exagerou, concedendo um prazo longo demais para um revés repentino: uma hora, um átimo, é o bastante para promover a queda de impérios.
Com que freqüência cidades da Ásia, com que freqüência cidades da Acaia foram destruídas por um único tremor de terra?Vivemos em meio as coisas que estão, sem qualquer exceção, destinadas a morrer. Mortal você nasceu; mortais você dá à luz.
Não se surpreenda com nada, espere tudo.

ANSIEDADE
Um estado de agitação motivado por uma situação problemática, para a qual, ao mesmo tempo, se deseja a melhor solução e se teme que o pior venha a acontecer. Em geral deixa os envolvidos desanimados e incapazes de encontrar prazer em atividades supostamente agradáveis, sejam elas culturais, sexuais ou sociais.
Mesmo quando podem desfrutar de cenários sublimes, os ansiosos continuarão preocupados por antever em seu íntimo a ruína e podem preferir que os deixem sozinhos em um quarto.

Sêneca foi mais sábio ao nos pedir que consideraremos o fato de que as coisas ruins irão talvez acontecer, mas acrescentou que é improvável serem tão ruins quanto tememos que sejam.


Desprezarei tudo que pertença ao domínio da Fortuna, mas se me for dado escolher, irei preferir a melhor parte.
Parem de tentar impedir que os filósofos tenham dinheiro, ninguém condenou à pobreza a sabedoria. (Sêneca)





Não se trata de hipocrisia. O estoicismo não recomenda a pobreza; recomenda que nós não a temamos ou a desprezemos. Os estóicos podem viver com as mesmas dádivas que a Fortuna concede aos tolos. Suas casas podem ser luxuosas e sua mobília bela. Apenas um único detalhe os qualifica como sábios, como reagem à pobreza súbita. Podem abandonar a casa e a criadagem sem ódio ou desespero.

O sábio não tem nada a perder. Tudo que ele possui está investido nele mesmo. O sábio é auto-suficiente...se ele perde uma das mãos devido a uma doença ou à guerra ou se algum acidente o privar de um dos olhos ou mesmo de ambos, ele se contentará com o que restar.
O sábio não se desprezará a si próprio se tiver a estatura de um anão, embora deseje ser alto.
O sábio é auto-suficiente no que se refere a viver sem a amizade de ninguém, mas isso não significa que ele deseje esta situação.

“Que progressos, você me pergunta, já consegui? Comecei a ser amigo de mim mesmo.”
Isto de fato é um grande benefício...esteja certo de que este homem é amigo de toda a humanidade.

Fomos dotados de inconstância, hesitação, dúvida, sofrimento e superstição. Abrigamos em nosso íntimo preocupações com o futuro (mesmo depois de mortos), ambição, ganância, ciúme, inveja, desejos insanos e incontroláveis.  A guerra, as mentiras, a infidelidade, a calúnia e a curiosidade nos atraem.

Somos quase sempre histéricos e demenciados, inquietos e vulgares; comparados conosco os animas eram, em muitos aspectos, modelos de sanidade e virtude – uma triste realidade sobre a qual a filosofia via-se obrigada a refletir, apesar de raramente o fazer. (Montaigne)

“Antes de comer sou uma pessoa; depois de uma refeição sinto-me outra bem diferente.” (Montaigne)

“Quando o bem-estar físico e um belo dia de sol sorriem para mim, sou bastante afável; basta uma unha do pé encravada para tornar-me suscetível, mal-humorado e intratável” (Montaigne)

Textos extraídos do livro: As consolações da Filosofia – Alain de Botton

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